quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Um encontro.

  Não sei o que dizer daquela manhã. Talvez fosse março, talvez abril. O que me surpreende é que é a única manhã que me lembro. Talvez não fosse tão cedo assim...
  É certo que eu esperava, como antes esperei, esperava ver o rosto que não me respondia nada, mas sanava minhas dúvidas.
  Cá entre nós, caso já tiveste que esperar a chegada do derradeiro minuto que precede um estimado e aguardado encontro de olhares, saber precisamente o que é esquecer de todo a função do intelecto em prol de certa espontaneidade ritual, pois uma única troca de olhares, ainda que breve, entre dois seres apaixonados é tanto consequência física como um rito único e inexplicável.
  Se ainda não perdeste o foco em teus próprios devaneios e memórias, é por que tais situações foram demasiadamente frugais para o teu entendimento, e isso deve-se apenas lamentar uma vez, e em segredo.
 Eu mesmo perco-me em divagação, e se minha memória falha em especificar melhor aquela manhã, ou tarde é justamente uma das consequências físicas daquele torpor que se apoderou de mim naquele mesmo dia: eu não sabia que desperto, ainda que fosse pelo amor, estaria fadado a esquecer tudo mais, por esquecer de mim.
  Te pouparei os detalhes ternos e cálidos daquela manhã, ou tarde, de março, ou abril. Destarte, evitarei minhas lágrimas; a história, porém, nada perderá em essência: aquele que já teve sua amada ao pé de si, aquiescendo seu amor no silêncio de um sorriso e no mútuo deleite da contemplação, sabe que é inútil, e arriscado, elaborar descrições sobre o que vemos nos olhos do amor quando estacam os relógios e aceleram os corações...
  De cada infinito detalhe que eu retenho daquele dia, nenhum é tão doce e infinito quando o lânguido olhar de despedida unido ao sorriso esperançoso e de lábios tão ansiosos quanto os meus; e esse gesto, que me foi concedido a distância, preenche um vazio no meu peito que me pergunta: "Quanto tempo se passou desde aquela manhã, ou tarde, onde dois sonhos se uniram numa só lembrança ?"

Vem

Vem sentar-te ao meu lado,
Aqui, nessa beira de rio.
Esqueças que um dia não haverá
Eu, tu, o rio, e todos os dias belos.

Vem lembrar comigo do nosso amor,
Como um passado que nos manteve jovens,
E com seu silencioso crepitar nos aqueceu
Afastando o frio da solidão.

Vem, para que eu possa ler nos teus olhos
Aquele amor tão puro e espontâneo
Que evita-se enunciá-lo por medo de que,
Tornando-se tangível, quebre-se.

Vem, escuta-me dizer-te ao teu ouvido
Que tua incerteza só é,
Se não puderes ver,
E só verás se escolheres ver.

Espero por ti, nessa mesma beira de rio
Cada um dos meus frugais pensamentos aqui
Buscam conciliar a hora do meu despertar
Com a hora que chegarás até mim.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os homens correm demais...
Os dias do mundo arrastam-se por séculos !
E nada os impede de esvair suas vidas
Em tolos subterfúgios da realidade.

Esquece-te disto coração,
Embriaga-te das alegrias ao teu alcance,
E sorve-as ! Como sorve a água
O anônimo andarilho.
Aqui é como todo lugar
Insípido e falso, como todos.
É preciso olhar para dentro de si.
Aqui é como todo lugar.

Quadra epigramática

Amor, amor de contradições...
Será sina deste mesmo amor,
Amar por reconhecer-se no amado,
E, reconhecendo-se, deixar de amar?

Amor, amor... amor de dúvidas !
Duvidar das incertezas do amor,
Amar, indubitavelmente, o amado,
E depois sofrer a dúvida do amor...

Amor... de lágrimas !
Esvair-se no pranto salgado
Fluído do âmago da alma,
Pelo amor de sorrisos infinitos.

Amor de encontros...
Que transforma um olhar num laço,
Dois corações em um,
E os permite alçar voo.

Minha bela, esse vil, terno sentimento,
Que lhe peço e que lhe dou,
Existe somente para si mesmo,
Existe para nós.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

À noite densa, pétrea, absoluta,
Entrego meus devaneios inconstantes, insones,
Como eu, eterna transição à deriva
No oceano do intervalo de minha morte.

Despido de todo ideal, toda convicção,
Toda dúvida, mágoa ou ansiedade da existência,
Estou só, à beira de mim, e encaro esse abismo
Como um dia encarei o céu da noite,
Sem procurar respostas, mas estrelas.

Findei enfim a minha busca incógnita;
Encontrei a mim procurando por qualquer coisa,
E nenhum fardo me podia ser maior...
Uma vida sem decepção,
É uma vida sem expectativas.
Chego, com fastio, à tal conclusão
Remoendo as felicidades que não mo foram concedidas.

Essa insípida existência dos incertos
Não valem uma só rosa de uma roseira;
E os estéreis sonhos do meu coração aberto
Não merecem a espera de uma vida inteira.

Tenho agora medo do que me tornei,
Ante às sucessivas desilusões
Que insistiram em desunir nossos corações
Subvertendo tudo aquilo que sonhei.

Não restam esperanças dentro de mim,
Pouco a pouco o silêncio as sufocou.
Indiferente, aguardo por esse fim,
Reunindo os fragmentos do que sou.